Rita Lee tem show marcado para o sábado 18, no Rio de Janeiro. Será o vigésimo da turnê do mais recente CD, “ETC”. O grande barato de sua vida, porém, é ficar em casa, cercada de bichos, cuidando da horta e curtindo o marido, Roberto de Carvalho, seu “namorado” há 34 anos. O ti-ti-ti do mundo artístico não a empolga como antes. Hoje, a tranquilidade de seu lar é quem manda.
É ali que ela, aos 62 anos, se diverte. Dona de um espírito naturalmente gozador, a mãe de Beto, João e Antônio e avó de Izabella, 4 anos, não se furtou de falar com seriedade sobre o seu casamento, o processo de envelhecimento e a decisão recente de fazer uma cirurgia preventiva de câncer de mama, retirando os seios. Rita, que ainda se recupera da operação, conta por que decidiu não reconstituí-los com próteses. “Não faz muita diferença. As minhas (mamas) já eram pequenas.”
Como se preparou psicologicamente para remover um símbolo de feminilidade? Rita Lee – Eu estava mesmo looouca para tomar anestesia (risos). Estava para fazer a cirurgia de mamas fazia tempo, mas com a agenda de shows apertada nunca dava para marcar. Acompanhei a saga da minha mãe com câncer e não quero nunca passar por aquilo. Minha ginecologista aconselhou a retirada das mamas, algo que não fez muita diferença, uma vez que as minhas já eram pequenas. Tive três filhos, dei de mamar, prefiro ficar sem peitos e tranquila a ficar com eles e paranoica.
Tem medo de anestesia?
Meu pai era dentista. Aos domingos levava as filhas até o consultório. Era um filme de terror, pois ele não dava anestesia que era para a gente aprender a não comer porcaria. Tenho vontade de construir uma estátua para quem inventou anestesias.
Poderia completar a frase e explicá-la? 62 anos é uma idade…
Eu digo que tenho 65 anos, costumo aumentar a idade a cada aniversário. A minha terapeuta diz que quero controlar o tempo. Mal sabe ela que também adianto o relógio em duas horas.
Qual seu conceito de velhice?
A velhice tem um lado cruel, quando pensamos ainda ter 17 anos: toca o telefone, a gente pula do sofá, serelepe, para atender e as costas reclamam, o fígado xinga, as pernas não respondem…e o telefone tocando… Por outro lado me sinto menos burrinha do que quando era jovem.
Considera-se melhor avó do que mãe?
Ser avó é menos responsa, mais leve, mais inesperado para mim que tive três meninos e percebia o mundo através do masculino. Ziza (neta dela, filha de Beto Lee) é vaidosa sem ser peruinha, inteligente sem ser geniazinha, teimosa sem ser praguinha. Interessa-se pelos mistérios do universo e pelas barbies da vida. Fui e sou uma boa mãe, dou palpite só quando sou convidada. Mas como as unhas quando vejo que (os filhos) estão entrando numa fria e não posso falar nada.
Qual a diferença do seu relacionamento com o Roberto hoje e há 20 anos?
Vinte anos atrás Roberto e eu íamos para a estrada feito ciganos, com caminhões de som, luz, cenário… Ficávamos 15, 20 dias sem voltar para casa, as drogas rolavam soltas, os filhos estavam longe, matávamos a saudade trabalhando feito loucos. Hoje, o casal está na santa paz, fazemos um ou dois shows por mês, os meninos já saíram de casa, vivemos no mato felizes da vida. Nada piorou, não tenho a menor vontade de voltar no tempo
Em turnê, dormem em quartos separados. E em casa?
Dormimos em quartos separados desde sempre. Não sobra espaço para o romance quando o casal divide tudo o tempo todo. Hay que tener mistérios, segredos… Não se trata de uma receita de bolo (para a relação durar). Tem a ver com cumplicidade no crime, respeito pela loucura do outro, sorte, capacidade para o autodeboche, saber pedir perdão e ter admiração mútua.
Qual a maior burrada que cometeu?
Ter participado do primeiro Rock in Rio (1985) foi a minha maior burrada. Primeiro porque os brasileiros foram tratados feito lixo. Os gringos receberam os melhores horários de ensaios e apresentações. Segundo porque minha guitarra Telecaster vintage foi roubada. E terceiro porque eu poderia ter cobrado um cachê maior e marquei mó touca!
Qual sonho de consumo realizou?
Na época do “Lança Perfume” ganhei muita grana, mas, como já disse, fumei, bebi e cheirei tudo. Faz quatro anos que moro no mato cercada de verde e bichos: este foi meu sonho de consumo.
Você foi presa em 1976 acusada de porte de drogas. Como foi a sua experiência na prisão?
Quando fui presa, estava grávida e não fazia uso de nenhuma substância, estava em estado de graça. Quando os meganhas invadiram a minha casa de madrugada, pensei que fossem roqueiros. Estavam vestidos com blusões de couro, cabelos compridos e jeans. Me botaram no camburão e desfilaram pelas delegacias me exibindo como troféu. Lá no xilindró minhas companheiras de cela foram gente finíssima. Apenas os interrogatórios eram uma chatice. Queriam que eu dedasse “peixes graúdos”. Fiquei uma semana no Departamento Estadual de Investigações Criminais (em São Paulo), um mês no Hipódromo feminino e um ano em prisão domiciliar.
Tem assistido aos programas eleitorais?
Até assisto algumas vezes, mas são todos canastrões e clonados, nenhum se aprofunda em nada. “Vou cuidar da saúde!” Tá, nos diga detalhadamente como. “Vou cuidar da educação!” Tá, vai fazer isso de que maneira? E por aí vai. Assuntos como aborto e drogas eles apenas dizem que pertencem à saúde pública, dãããã…
Qual legado o presidente Lula deixará para o País?
Lula deixou a impressão para os gringos de que o Brasil hoje é um país sério. Mas fiquei desapontada com as bandidalhas que ele teimou em dizer que não sabia de nada.
Em quem não votaria e por quê?
Pela primeira vez vou votar nulo. Não sou do tipo “hay govierno soy contra”, “pero” com esses candidatos que aí estão perdi “también la ternura”. Meu rabinho simplesmente não abana para nenhum deles.
Do que sente saudade de sua juventude?
Da época do ginásio. Eu mijava dentro dos sapatos das meninas na hora da educação física, ficava de tocaia no barzinho para enfiar nhá benta na cara de quem comprasse. Tasquei fogo no cenário do teatro porque não me deram o papel de Julieta. Certa vez, fiquei em cima da árvore durante toda a manhã, igual àquele louco do Fellini que gritava “voglio una donna”… em vez de gritar eu lia um livro de Monteiro Lobato.
Olhar-se no espelho é um ritual do seu dia a dia? Considera-se uma mulher bonita?
Claro, para escovar os dentes não há outra maneira. Nunca fui bonita. Posso ter sido interessante quando jovem. Agora me olho no espelho e vejo uma pré-madre Teresa de Calcutá simpática com cabelos vermelhos.
Até onde vai sua vaidade?
Não como cadáveres de animais, nado todos os dias, eu mesma pinto o cabelo e faço as unhas. Pago para não sair de casa. Uma vez por mês a Gil vem dar uma tosada no cabelo.
Já imaginou como seria se fosse homem?
Certamente eu seria gay.
Poderia contar seu último sonho?
Sonhei com a minha família antiga, a casa onde morei com meus pais, adoro encontrar com gente morta.
Tem medo da morte?
Penso na morte como o grande gozo da vida. Gosto de velórios, mas tenho pavor de enterros. Sou a favor da eutanásia se estiver naquela situação vegetal/terminal.
Por quê?
Minha irmã mais velha morreu aos 38 anos do coração. Eu estava ao lado dela quando se foi para o andar de cima e não foi nada agradável. Assisti ao “You Don’t Know Jack” com Al Pacino no papel do Dr. Kevorkian, um grande defensor da eutanásia e do qual sempre fui fã. Os 138 suicídios assistidos por ele são absolutamente éticos e limpos. Como médico, sua “missão” era providenciar uma morte digna para um doente comprovadamente incurável, mas ainda de posse de suas faculdades mentais. Os humanos com doenças incuráveis que não aguentam mais sofrer em vão deveriam exercer o direito de decidir sobre a própria morte. Mas a “ética médico-cristã” prefere mantê-los ligados a instrumentos, receitar morfina e dizer: “Deus deu a vida e só ele pode tirá-la.”
Algum desejo para o momento da sua morte? Como gostaria que fosse seu enterro?
(Que fosse) durante o sonho que mais gosto: voando. (No enterro) as rádios tocariam minhas músicas sem cobrar jabás. Todos os canais de tevê fariam especiais. O “Jornal Nacional” terminaria em silêncio só com os créditos rolando. Os fãs carregariam capas de disco, faixas, camisetas num cortejo de choros histéricos (muitos desmaios) em volta do caixão exposto sei lá onde. Quero estar produzida à la Carmen Miranda, a mesma maquiagem que uso no palco. Minha franja não deve sair do lugar. Quero desfilar no carro de bombeiros e finalmente ser cremada numa cerimônia íntima ao som de Bach (rock é coisa de gentinha) para dar clima.
Tem alguma religiosidade?
Apesar de não acreditar em vida após a morte, às vezes me pego pedindo proteção aos antepassados e aos descendentes que ainda não nasceram. Tenho coleção de santinhos de todas as religiões, sou uma iconoclasta ateia.
Você mente?
Minto bem pra caramba! Faço o papel de cantora há 45 anos e até hoje ninguém duvida, pelo menos na minha frente.
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