terça-feira, 16 de junho de 2009

Uma outra Zélia Duncan

Mais serena e delicada do que no CD anterior, ela se reinventa em Pelo Sabor do Gesto, com novos parceiros, versões e também recriações de antigas pérolas raras.


O texto que Zélia Duncan escreveu para o press release de seu novo álbum, Pelo Sabor do Gesto (Universal Music), é bastante esclarecedor sobre as dúvidas e o envolvimento com cada músico e parceiro durante o processo de criação. No início ela se pergunta "por que gravar um álbum inteiro em tempos sem tempo como agora?". "Sofri muito com isso quando entrei no estúdio", diz. A resposta quando veio foi segura. No fim ela comenta que tem gente dizendo que ela está mais suave, mais romântica, mais madura. "Eu acho graça... me sinto sempre recomeçando", conclui.

Pelo Sabor do Gesto é mesmo um recomeço de uma outra Zélia Duncan, mais serena e delicada, um tanto diferente de Pré Pós Tudo Bossa Band, seu último trabalho autoral, de 2005, mais "urgente". Em relaxado bate-papo no belo palacete do Parque Lage, ela diz que só se deu conta do provável romantismo do CD na hora de gravar. Foi intuição. "E é engraçado porque nem estou especialmente apaixonada", conta. "Mais serena com certeza. Um amigo comentou que Pré Pós era bem urbano. Esse parece que a gente está numa casinha no campo."

Depois que realizou o antológico álbum Eu me Transformo em Outras, como intérprete de obras-primas e raridades bem brasileiras, em que se aproximou mais do samba e do choro, a cantora e compositora entrou num dilema. "Aquele foi um disco emblemático, prestigioso na minha carreira. O que iria fazer depois disso? Então resolvi jogar tudo o que podia no Pré Pós.Dessa vez é menos ansioso."

Para variar, ela agrega em sua "casinha" (que tem muito a ver com São Paulo, cidade com a qual ela mais se identifica) uma penca de novos parceiros: Zeca Baleiro, Chico César, Dante Ozzetti, Marcelo Jeneci, Edu Tedeschi e John Ulhoa, que divide a produção do álbum com Beto Villares, além de Moska, com quem já trocou impressões antes. Ela ainda garimpou outra inédita de seu predileto Itamar Assumpção (Duas Namoradas, letra de Alice Ruiz) e revigorou belas e esquecidas canções antigas do gaúcho Nei Lisboa (Telhados de Paris, de 1988), de Rita Lee

Zélia, que decolou na carreira com uma adaptação de Cathedral (Tanita Tikaram), também voltou às versões, com duas belezas do francês Alex Beaupin, do filme Les Chansons d?Amour (Canções de Amor). Uma é Boas Razões, que tem vocal de Fernanda Takai e abre o CD de Zélia em clima meio country meio Arcade Fire. A outra é a faixa-título, ambas produzidas pelo mineiro John Ulhoa, compositor e guitarrista do Pato Fu.

Com o paulista Beto Villares, Zélia ja tinha trabalhado em Sortimento (2000). John é novidade. "O que é desafiador em escolher o John é que ele é muito específico. Eu e Beto somos mais abertos num certo sentido, a gente adora samba e tal. John não tem esse histórico, nem faz questão de ter e é muito bom no que ele faz." No entanto, mesmo cada um tendo uma linguagem diferente, não se percebe direito no álbum o que tem a mão de um e o que foi feito pelo outro. "Acho que a malha de sonoridades é muito interessante, porque já se fez de tudo. Mas do que eles trouxeram para o disco, John é o frescor e Beto a confirmação fundamental."

John trouxe para essa "jovem senhora de 44 anos", algo do início com Christiaan Oyens. Do mesmo modo como a afinidade entre os produtores e com a cantora dão a unidade do disco, os parceiros encontram pontos de convergência com ela. Numa única canção ela inverteu os papéis, fazendo a melodia para uma letra de Zeca Baleiro (Se Um Dia me Quiseres). Só que música também parece coisa típica de Zeca. O inverso ocorre com Aberto, melodia de Edu Tedeschi que tem cara de Zélia.

Ao mesmo tempo, ela relaciona as canções de Zeca e Dante Ozzetti (Se Eu Fosse) com o estilo de Itamar. Duas letras falam de música seja enumerando gêneros (Se Eu Fosse) ou casando a melodia e a poesia (Duas Namoradas). Sinto Encanto (parceria com Moska), faixa que ela destaca como sua predileta e era candidata a dar título ao disco, diz: "Eu escuto fora com o ouvido de dentro/ Eu me alimento do meu silêncio/ E canto porque sinto encanto/ Sinto e canto." "Acho que houve delicadeza em todos os sentidos."

Impulso intuitivo é o que leva Zélia - que faz shows de lançamento nos dias 31 de julho e 1º de agosto em São Paulo - a compor e cantar e também à variedade de novos parceiros. "Tudo na minha vida é por um triz. Arriscar virou uma característica minha. Acho que pra sempre." (Ambição, com a letra original de 1977 não a de 93) e de Marcos e Paulo Sérgio Valle (Os Dentes Brancos do Mundo, pinçada de um disco de Evinha de 1969).

Nenhum comentário: